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Alemanha pode soltar delator de lavagem de dinheiro internado em hospício

Diana Pessler (sv)15 de julho de 2013

Há sete anos, Gustl Mollath foi posto em hospital psiquiátrico por supostamente ter agredido a esposa, em decisão que, para muitos, tentou desacreditar denúncias feitas por ele. Polêmico caso pode, agora, ser reaberto.

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Foto: picture-alliance/dpa

Gustl Mollath detesta a vida no hospital psiquiátrico. Odeia os controles noturnos, que lhe tiram o sono, e diz que preferiria estar numa prisão convencional. A comida, afirma, provoca uma "lesão corporal". Há sete anos, ele está internado na ala psiquiátrica de um hospital de Bayreuth. E todo ano a Justiça avalia se sua internação é de fato necessária. Até hoje, a resposta foi sempre "sim".

Para muitos, no entanto, Mollath é vítima da Justiça – talvez até de uma megaconspiração. O restaurador de carros antigos, de 56 anos, quis desbaratar um esquema envolvendo lavagem de dinheiro, mas foi tido como louco. Na internet, seu caso vem sendo tratado à exaustão. A petição "Justiça e Liberdade para Gustl Mollath" já foi assinada por mais de 44 mil pessoas.

Tudo porque é possível que Gustl Mollath deixe o hospital psiquiátrico em breve, ainda que provisoriamente. O Tribunal Estadual de Regensburgo deve avaliar até esta sexta-feira (19/07) se o processo poderá ser reaberto. E caso as demandas de sua defesa forem consideradas cabíveis, tudo começará de novo – e Mollath aguardará a reabertura do processo em liberdade.

"Nenhum juiz quer tomar uma decisão e depois ser passível das mesmas acusações que estão sendo feitas agora", diz o professor de Direito Penal Hans Kudlich, para quem os juízes vão avaliar o caso com uma precisão extrema. Uwe Ritzer, que acompanha o caso desde o início para o diário Süddeutsche Zeitung, diz trata-se de um "fracasso total do Estado de Direito em várias de suas funções".

Pontos em aberto

É preciso voltar no tempo para compreender melhor o caso Mollath. Em 2006, o Tribunal Estadual de Nurembergue considerou provado que ele abusou brutalmente da mulher, Petra Mollath, de quem viria a se separar mais tarde. Na época, dizia-se que ele teria furado os pneus dos carros de diversas pessoas que se colocaram do lado da esposa durante a separação.

Um neurologista, então, atestou que Mollath estava tendo alucinações paranoicas e que, por isso, passaria a ser considerado incapaz de pagar por seus atos, embora tenha sido apontado como perigoso. E acabou internado num hospital psiquiátrico.

Bezirkskrankenhaus Bayreuth Gustl Mollath
Mollath passou sete anos na ala de psquiatria de hospital em BeyreuthFoto: picture alliance / David Ebener

Uma das provas para justificar a suposta paranoia de Mollath apresentadas pelo tribunal era o fato de ele ter envolvido, "de maneira totalmente não diferenciada", quase todas as pessoas de seu convívio num escândalo de lavagem de dinheiro.

O tema lavagem de dinheiro – e a forma com que a Justiça lidou com isso – formam o escândalo de fato no caso Mollath. Durante todo o processo, o réu denunciou os negócios escusos nos quais a ex-mulher estava envolvida. Em diversas cartas, ele comunicou o que estava acontecendo ao HypoVereinsbank, o banco onde a esposa trabalhava.

No decorrer do processo judicial, Gustl Mollath apresentou um documento de 106 páginas contendo explanações diversas sobre o golpe do ditador ugandense Idi Amin, a ida do homem à Lua e a morte de seu pai em consequência de um câncer. Entre uma e outra afirmação, encontravam-se as acusações concretas do caso: funcionários do HypoVereinsbank teriam transferido dinheiro ilegalmente para a Suíça – uma denúncia, mais tarde, feita de forma oficial por ele.

Enquanto o HypoVereinsbank confrontou seus inspetores com as acusações, a Justiça permaneceu inerte. O juiz nem leu o dossiê apresentado por Mollath até o fim e, segundo testemunhas, proibiu o réu até mesmo de abrir a boca quando ele tentou falar sobre o assunto lavagem de dinheiro. A Promotoria, por sua vez, não investigou nada, partindo do princípio de que as acusações de Mollath seriam pouco concretas, sem citação de número de contas, valores e transações, por exemplo.

Para Uwe Ritzer, contudo, as acusações eram precisas e poderiam ter sido investigadas se houvesse vontade para tal. Desbaratar um esquema de lavagem de dinheiro, afirma o jornalista, não pode ser uma tarefa de uma pessoa só.

Possível tema de campanha

Gustl Mollath passou seis anos esquecido num hospital psiquiátrico. Em 2012, porém, a divulgação de um relatório interno do HypoVereinsbank mantido por anos em segredo trouxe o caso de volta à tona.

Landgericht Nürnberg-Fürth
Tribunal Estadual de Nurembergue-FürthFoto: picture alliance / Daniel Karmann

"Com relativa rapidez, [o relatório chegava] à conclusão de que todas as afirmações podem ser confirmadas e que Mollath detinha informações internas", afirma Uwe Ritzer, que recebeu uma cópia do documento.

O relatório documenta erros graves dos funcionários do banco, infrações de diretrizes internas e regras externas, como por exemplo a lei que proíbe lavagem de dinheiro. O canal imenso de transferência escusa de divisas, cuja existência Mollath supunha, não existia, contudo. Um fiscal alemão aponta que houve no caso pequenas sonegações cotidianas de alguns cidadãos. Provas de um complô entre bancos, Justiça e políticos, a fim de eliminar Mollath do caminho, não foram constatadas pelo banco.

Mesmo assim, o relatório renovou a controvérsia, e a pressão sobre políticos e o Judiciário vem crescendo. As eleições na Baviera, estado-sede do escândalo, serão em setembro próximo, e o caso Mollath pode virar tema de campanha, colocando o governo contra a parede. No primeiro semestre deste ano, a Assembleia Legislativa do estado, cuja Justiça cuida do caso, abriu um inquérito que examinou a questão com mais precisão e revelou novos detalhes. O próprio Mollath foi ouvido.

"Foi a primeira vez na história que um Parlamento alemão ouviu uma testemunha considerada louca e perigosa.", diz Uwe Ritzer. E pela primeira vez nos últimos sete anos um grêmio oficial se deu ao trabalho de ouvir Gustl Mollath. Segundo a opinião unânime de observadores, ele depôs de maneira tranquila e concentrada.

Um dia depois da audiência, o Tribunal Estadual de Bayreuth afirmou que Gustl Mollath deveria permanecer internado no hospital psiquiátrico. Se ele tivesse sido considerado réu comum, sua pena já teria expirado.

Hans Kudlich acentua, porém, que a internação num hospital psiquiátrico não é considerada cerceamento da liberdade, mas sim uma medida para proteger a sociedade. "A periculosidade de Mollath foi detectada durante o processo. E havia prognósticos de que ele poderia vir a cometer tais atos de novo. Se você considera que essa é a realidade, não temos nada a fazer exceto cercear a liberdade desta pessoa, por mais trágico que isso seja", diz o professor de Direito Penal.

Através de sua decisão, o Tribunal Estadual de Regensburgo poderá reabrir o processo nesta semana. Dois requerimentos de reabertura do mesmo, em prol do réu, já foram encaminhados. Um deles pelo advogado de Mollath e outro pelo Ministério Público – algo extremamente raro. Depois de um exame detalhado, a Promotoria encontrou três razões para reiniciar o caso.

Logo der Hypovereinsbank in Nürnberg
Logomarca do Hypovereinsbank em NurembergueFoto: picture-alliance/dpa

Primeiro, uma nova testemunha afirma que a ex-mulher de Mollath teria afirmado que iria colocá-lo num hospital psiquiátrico caso ele a denunciasse. Além disso, o atestado apresentado por Petra Mollath para documentar a suposta lesão corporal foi responsabilizado não estava correto do ponto de vista jurídico.

E, em terceiro lugar, passaram a pairar dúvidas sobre o disgnóstico de alucinação paranoica de Mollath, baseado em suas acusações de lavagem de dinheiro envolvendo várias pessoas. "O Estado de Direito perdeu muita confiança com o caso Gustl Mollath. Eu gostaria que essa confiabilidade fosse recobrada através de uma retomada mais limpa do caso", conclui Uwe Ritzer.