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Esporte

Patrocínio de Ruanda a time inglês causa indignação

Helena Kaschel jps
3 de junho de 2018

Governo de um dos países mais pobres do mundo vai pagar mais de 34 milhões de euros para estampar propaganda nos uniformes do Arsenal. Negócio provoca pedidos para suspender ajuda internacional.

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Fußball UEFA Europa League Arsenal - 1. FC Köln
Patrocínio para equipe milionária da Premier League é criticado por ativistasFoto: Reuters/Action Images/J. Sibley

A novidade causou furor além das fronteiras de Ruanda: pelos próximos três anos, o slogan "Visite Ruanda” deve ser estampado nos uniformes do time Arsenal FC. A conta do patrocínio, a ser paga pelo país do leste da África ao time da primeira divisão britânica, será salgada: 34,5 milhões de euros (cerca de 150 milhões de reais), que devem ser desembolsados, em sua maioria, pelo Ministério do Turismo ruandês.

O governo de Ruanda aposta que o negócio deve gerar 700 milhões de euros de retorno em turismo. Ainda como parte do negócio, os jogadores das equipes masculina e feminina do Arsenal devem fazer uma visita ao país africano.

Mas esse patrocínio imediatamente gerou controvérsia tanto em Ruanda quanto no exterior. Em primeiro lugar, existe o amor pessoal do presidente do país, Paul Kagame, ao time.

Kagame governa Ruanda com mão de ferro desde 1994, e sua simpatia em relação ao clube inglês levanta questionamentos sobre o interesse pessoal do presidente ter influenciado o patrocínio.

Em segundo lugar, mais de duas décadas após uma sangrenta guerra civil e um genocídio, Ruanda continua a ser um dos países mais pobres do mundo. Em terceiro, milhões de dólares em ajuda externa têm sido enviados ao país anualmente. O governo insiste que nenhum centavo da ajuda foi desviado para o contrato publicitário.

O patrocínio causou indignação especialmente no Reino Unido. "Camisa da vergonha”, estampou a manchete do jornal Daily Mail. "Os contribuintes britânicos têm razão em estar chocados com o fato de que um país altamente dependente do Reino Unido está canalizando milhões para um fabulosamente rico time de futebol de Londres. Isso é grotesco”, disse o deputado conservador Andrew Bridgen ao jornal.

Em Londres, o advogado e ativista de direitos humanos ruandês Rene Mugenzi também classificou o negócio como "grotesco”.

Dinheiro para a Premier League

A notícia também foi encarada de maneira crítica no continente africano. "O quão rico é o governo de Ruanda para que tenha a capacidade de patrocinar o Arsenal enquanto os próprios cidadãos do país vivem na pobreza e não têm nem condições de comprar uma refeição quente? Eles deveriam ter usado o dinheiro para melhorar a situação econômica e a infraestrutura”, apontou um usuário do Facebook na página da DW em língua suaíli.

O economista tanzaniano Gabriel Mwang'onda acredita que teria sido mais eficiente usar o dinheiro em outros projetos. "É lamentável que o dinheiro não tenha sido direcionado para o fornecimento de energia e educação”, disse ele à DW. Analistas também apontaram que o negócio carece de transparência, e que os cidadãos do país nem foram informados sobre quanto dinheiro foi pago ao time inglês. As informações constam apenas em veículos da imprensa estrangeira.

O governo de Ruanda tem rechaçado as críticas. A diretora da Agência Estatal de Desenvolvimento do país, Claire Akamanzi, por exemplo, disse em sua conta no Twitter que aqueles que criticam o negócio com o argumento de que Ruanda recebe ajuda externa "não entendem” a importância do marketing, e que o patrocínio não é diferente de uma participação em uma feira de turismo. "Relaxem e deixem o mundo visitar Ruanda”, pediu.

Opiniões divergentes na Alemanha

Na Alemanha, o debate chegou ao meio político. Christoph Hoffmann, porta-voz para políticas de desenvolvimento do Partido Liberal (FDP), sugeriu que o governo alemão reveja suas políticas de ajuda a Ruanda após o episódio. Segundo ele, o ministro para Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha, Gerd Müller, precisa "se posicionar claramente contra”. O Ministério ainda não comentou o assunto. Segundo dados da pasta, 103 milhões de euros devem ser direcionados da Alemanha para Ruanda entre 2017 e 2020.

Hoffmann também disse não estar convencido que o patrocínio resulte em algum benefício para Ruanda. "Um negócio que claramente tem alguma relação com as preferências pessoais do presidente por um clube de futebol não é uma boa propaganda para a indústria estatal de turismo”, disse ele, que ainda acusou a soma investida de ser desproporcional e a estratégia publicitária de ser "sem sentido".

O presidente de Ruanda, Paul Kagame
O presidente de Ruanda e torcedor do Arsenal, Paul KagameFoto: Imago/Xinhua/G. Dusabe

"As pessoas que poderiam visitar Ruanda não são necessariamente torcedores do Arsenal. Ruanda é um destino de grupos específicos de viajantes, que podem ser alcançados por meio de campanhas em redes sociais, que custariam três milhões de euros”, disse. "Mais de 30 milhões de euros por um contrato publicitário que sequer poderá atingir o público-alvo não é uma boa ideia.”

Já Stephan Klingebiel, do Instituto Alemão de Desenvolvimento (DIE), vê as coisas de maneira diferente. "Ruanda consegue cada vez mais atrair turismo de conferências e turistas de alto poder aquisitivo”, avalia. Ainda de acordo com Klingebiel, no ano passado, 1,3 milhões de visitantes passaram por Ruanda. Entre eles, 94 mil visitaram parques nacionais.

"O negócio envolve bem mais do que algumas dezenas de milhares de torcedores no estádio do Arsenal. Tem um potencial de impacto global”, afirmou, apontando ainda que os potenciais benefícios não são limitados ao turismo. Em jogo também está a imagem internacional de Ruanda como "ator político e destino de investimentos”. Segundo essa visão, o patrocínio pode ajudar a mudar a visão externa em relação ao país, ainda marcada por lembranças da guerra civil.

Ainda segundo Klingebiel, ao  fechar o patrocínio, o governo de Ruanda também atendeu às demandas de doadores ocidentais para que o países africanos encontrem seu próprio caminho em matéria de cooperação para o desenvolvimento e demonstrem mais iniciativa.

Klingebiel  também não acredita que a controvérsia afetará negativamente as doações internacionais, inclusive aquelas feitas pelo governo do Reino Unido. "No caso de isso acontecer, seria algo que impactaria de maneira negativa em políticas de desenvolvimento, já que cimentaria imagens antiquadas da África e de como a África deveria se comportar”, ressalta.

Os próximos três anos devem mostrar se as camisas com a estampa "Visite Ruanda” valeram o investimento.

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