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Rússia proíbe entidade histórica de direitos humanos

28 de dezembro de 2021

Suprema Corte ordena dissolução da Memorial International, grupo que denuncia crimes de Estado desde a era soviética. Medida encerra ano de brutal repressão a opositores promovida pelo governo de Vladimir Putin.

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Homem idoso de barbas brancas é cercado por policiais em Moscou. Apoiadores da Memorial são reprimidos pela polícia russa durante protesto contra a dissolução da entidade
Apoiadores da Memorial são reprimidos pela polícia russa durante protesto contra a dissolução da entidadeFoto: Gavriil Grigorov/TASS/dpa/picture alliance

A Suprema Corte da Rússia ordenou nesta terça-feira (28/12) a dissolução da organização de direitos humanos Memorial, após os promotores acusarem o grupo de violar leis referentes a fontes de financiamento vindas do exterior.

A entidade é conhecida por denunciar perseguições desde a época do líder soviético Josef Stalin, e é tida como um símbolo da democratização pós-União Soviética.

A decisão atinge a Memorial International, a estrutura central da organização, e encerra um ano de repressão histórica promovida pelo governo de Vladimir Putin sobre grupos de direitos humanos e de oposição, com ataques à imprensa independente e a prisão de seu maior crítico e opositor, o ativista Alexei Navalny. Ainda assim, a dissolução da Memorial era, até pouco tempo, algo inimaginável. 

A juíza Alla Nazarova ordenou o fechamento da Memorial International e suas ramificações regionais, após os promotores acusarem o grupo de burlar a obrigatoriedade de marcar suas publicações com um rótulo de "agente estrangeiro”, algo exigido para as organizações que recebem financiamento vindo do exterior.

Os fundadores da Memorial negam quaisquer violações, e asseguram que somente alguns poucos documentos não possuíam o selo exigido por lei.

A Promotoria também acusa a organização de denegrir a memória da União Soviética e suas vitórias, além de "reabilitar crimes nazistas”. Um dos promotores chegou a afirmar que a Memorial "cria uma imagem falsa da URSS como um Estado terrorista e denigre a memória da Segunda Guerra Mundial”. O próprio Putin acusou a entidade de defender "organizações terroristas e extremistas”.

Fundada por dissidentes soviéticos

A Memorial foi fundada em 1989 por dissidentes soviéticos, incluindo o vencedor do Prêmio Nobel da Paz Andrei Sakharov. Em nota divulgada nesta terça-feira, a Memorial International afirma que vai recorrer da sentença e encontrar "meios legais” de continuar seu trabalho.

"A Memorial não é uma organização, tampouco um movimento social”, diz o comunicado. "A Memorial é a necessidade de os cidadãos da Rússia saberem sobre seu passado trágico, sobre o destino de milhões de pessoas.”

O dissidente russo Andrei Sakharov, fundador da Memorial, e sua esposa Yelena Bonner em Moscou, em 1987
O dissidente russo Andrei Sakharov, fundador da Memorial, e sua esposa Yelena Bonner em Moscou, em 1987Foto: Daniel Janin/AFP

A entidade possui uma estrutura dispersa de organizações locais, com a manutenção dos extensivos arquivos da entidade em Moscou e a coordenação dos trabalhos a cargo da Memorial International. O grupo passou anos catalogando atrocidades cometidas no período soviético, especialmente nos campos de prisioneiros conhecidos como os Gulag.

Seus apoiadores avaliam que a dissolução da entidade sinaliza o fim de uma era no processo pós-soviético de democratização, que neste mês completa 30 anos.

A Memorial International pesquisa e publica informações sobre crimes e violações aos direitos humanos no passado, além de ajudar pessoas a acessarem os arquivos da polícia secreta soviética em busca de dados sobre a história de suas famílias.

Resgate da história de muitas famílias

A entidade ajudou muita gente a colocar em ordem os históricos de suas famílias entre os chamados anos do Grande Terror (1937-1938) durante a era Stalin, quando aproximadamente 700 mil pessoas foram executadas, segundo estimativas oficiais consideradas conservadoras.

A Memorial compila listas de vítimas e colhe testemunhos e documentos de arquivos familiares, além de objetos e trabalhos artísticos relacionados às redes de campos de prisioneiros soviéticos. Seu museu, biblioteca e arquivos são considerados os maiores repositórios públicos desse tipo de material na Rússia.

Apesar de o próprio Estado soviético ter repudiado a brutalidade promovida por Stalin, após sua morte, em 1953, muitos na Rússia ainda o reverenciam como o grande líder do país durante a vitória sobre os nazistas na Segunda Guerra.

A Memorial e seus apoiadores acusam as autoridades russas de tentar minimizar e encobrir os crimes da era soviética.

Centro de Direitos Humanos 

A audiência nesta terça-feira tratou de um dos dois casos contra o grupo. Os promotores também exigem o fechamento do Centro de Direitos Humanos Memorial, que acusam de colaborar com terroristas e extremistas.

O Centro também é acusado de violar a legislação sobre financiamentos estrangeiros. Uma audiência sobre o caso está marcada para esta quarta-feira em um tribunal de Moscou.

Homem porta cartaz com os dizeres "tirem as mãos da Memorial; liberdade para prisioneiros políticos" em frente a Suprema Corte em Moscou
Homem porta cartaz com os dizeres "tirem as mãos da Memorial; liberdade para prisioneiros políticos" em frente a Suprema Corte em MoscouFoto: Stanislav Krasilnikov/TASS/dpa/picture alliance

O Centro de Direitos Humanos realiza campanhas pelos direitos dos prisioneiros políticos, migrantes e grupos marginalizados, além de denunciar abusos na turbulenta região do norte do Cáucaso, que inclui a Chechênia, onde forças militares russas derrotaram rebeldes separatistas em duas guerras. 

Nesta terça-feira, dezenas de manifestantes se reuniram em frente a Suprema Corte sob temperaturas congelantes para protestar contra a decisão. Vários deles foram presos.

O embaixador americano na Rússia, John Sullivan, avaliou a decisão da Suprema Corte como uma "tentativa flagrante e trágica de reprimir a liberdade de expressão e apagar a história”.

"A dissolução da Memorial International é uma perda terrível para o povo russo”, afirmou o ministro francês do Exterior, Jean-Yves Le Drian, acrescentando que a decisão é "profundamente preocupante para o futuro da pesquisa histórica e para a defesa dos direitos humanos na Rússia”.

Já o governo alemão classificou a decisão como "mais do que incompreensível" e disse que a medida vai contra as garantias internacionais de proteger os direitos civis fundamentais.

rc (AFP, Reuters)